Nascida em uma colônia alemã próxima a Indiana/SP, morou lá até 1939. Por uma doença do pai volta para a Alemanha em 1939, com a guerra o pai vai servir e a mão com as filhas vai para uma aldeia. Após a guerra ficam do lado dos Russos, conseguem fugir para o lado dos Estados Unidos depois voltam para o Brasil onde juntamente com Helmuth formam a Orquestra de Bandolins, participa da juventude luterana na qual conhece o marido. Após se casar teve 3 filhos os quais ainda tocam na Orquestra.
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Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS)
Núcleo de Pesquisa Memórias do ABC e Laboratório Hipermídias
Depoimento de Elfriede Schmidt 75 anos.
São Paulo, 26 de setembro de 2013
Local: Associação Católica Kolping
Pesquisadores: Alberto Iszlaji Junior
Equipe técnica: Felipe Misquini
Transcritores: Paulo Nunes e Izomar Lemos
Pergunta:
A gente vai fazer a entrevista hoje, dia 26 de setembro de 2013. Essa entrevista faz parte do trabalho associações alemãs em São Paulo, meios e mediações da comunidade de cultura alemã. Pesquisador sou eu, Alberto, hoje nós vamos entrevistar a senhora Elfriede Schimidt, disse certo?
Resposta:
Elfriede Schmidt.
Pergunta:
É... Temos também a ajuda do Felipe Misquini, na operação de câmera, e para a gente começar, eu queria que a senhora, por favor, dissesse seu nome, soletrasse, por favor, é... , o dia que a senhora nasceu, a data de seu nascimento, o estado que nasceu, é...
Resposta:
Bom, eu chamo Elfriede Schimidt, E, L, F, R, I, E, D.E separado S.C.H. M, de Maria, I, D, de Domingos e T de Teresa. Eu nasci em 28 de maio de 1938 na colônia (Talembar), uma colônia alemã, que fica no... Em Indiana, uma cidade na alta Sorocabana no estado de São Paulo.
Pergunta:
É... Me conta um pouquinho, como é que era a sua infância. É...
Resposta:
Não. É...
Pergunta:
Família, pais... Os pais eles, eles nasceram no Brasil?
Resposta:
Não, meus pais, ambos, eram alemães e vieram logo depois da primeira guerra mundial como os pais deles, quando crianças. E quando eu tinha um ano e mês os médicos daqui mandaram meu pai para Alemanha porque ele estava muito doente e não tinha muita chance aqui no Brasil, que a medicina aqui não tava aqui muito grande coisa. (2:05) Ele foi , quando estávamos no meio do oceano ficaram sabendo que ia estourar uma guerra, mas aí não dava pra voltar, nem a nado (risos) e nem o navio ia virar. Então a gente foi para a Alemanha meu pai ficou monte de tempo no hospital e sarou, trabalhou até numa ferramentaria muito grande na Alemanha até que descobriram que ele sarou! Aí chamavam para a guerra e daí ele não tinha muita opção, como ele nascido alemão, se dissesse: ‘Eu não vou!’ Ele ia parar num campo de concentração porque lá não tinha só judeus. O dono da _______(comp) também ficou num campo de concentração porque se negava a fabricar armas. Então meu pai foi para a guerra. E em quarenta e três, dezembro de 43 ele tombou na Croácia.
Pergunta:
Ele o que?
Resposta:
Tombou! Ele morreu na Guerra. Tombou na guerra, na Croácia. Nós não sabemos onde, nem se ele foi enterrado, onde foi enterrado, isso nós não sabemos. Quer dizer minha mãe ficou viúva com 33 anos e quatro meninas. A mais velha com 12 anos e a menor com 6 meses.
Pergunta:
E a senhora das quatro meninas é qual?
Resposta:
A segunda, a penúltima.
Pergunta:
A penúltima.
Resposta:
A penúltima. Minha irmã mais nova toca na orquestra. Essa que era pequenininha. E aí ficamos, Hitler resolveu transferir as pessoas com mais crianças para a zona mais rural da Alemanha, porque nossa cidade onde estávamos tinha uma fábrica de seda. Eles fabricavam seda para fazer as pára-quedas. Então ela foi uma das cidades _________ cidades mais bombardeadas da segunda guerra mundial. Então ele tirou a gente daí e mandou para a zona rural, infelizmente esse lugar ficou depois para os Russos, a aldeia toda fugiu dos Russos. Os Russos alcançaram a gente mandaram a gente tudo voltar para a aldeia e minha mãe depois fugiu de novo sozinha com as quatro crianças. E conseguiu travessar {atravessar} a fronteira pra {para} ficar de novo na cidade onde Hitler nasceu. Ai, claro, mais ingleses e americanos jogaram muitas bombas de fosfato, os campos não davam nada, nem batata, nem nada, então era muito difícil, ela alimentar as 4 crianças. E... Porque não tinha nada, nem planta aqui fala: Plantando dá, mas lá não dava, entende? Então a minha mãe chegou a cozinhar muitas vezes, urtiga, para a gente não morrer de fome, e a gente tinha direito a certa quantia de pão por dia [5:00’] por semana, desculpe, era 50 gramas de pão, o pãozinho, por pessoa por semana, mas muitas vezes a gente não conseguia isso porque simplesmente não tinha pão. Então a gente se virou como podia. Então eu acho que, minha infância não foi lá graannnde coisa, pelo menos eu estou aqui. Mas meu pai era um auto didata em música, ele tocava violino, tocava violão e tocava bandolim, gaita de boca. Quando voltamos, minha mãe transformou o violino em alimentação. Quer dizer trocou por comida.
Pergunta:
Hã, hã.
Resposta:
Depois ela achou que ficaria muito triste as 4 meninas lembrar da infância só de uma guerra. Tremendamente cruel. Então ela... Na Alemanha tinha muitas orquestras como as nossas só muitos grandes, ela foi atrás e o maestro, por coincidência chama Schimidt também, mas não é parente nosso, ele disse: ‘Não eu dou aula de violão e dou aula de bandolim, manda suas filhas’. Então a minha irmã mais velha, que mora ainda na Alemanha, tocou a aprender violão e a segunda e eu aprendemos bandolim e já na Alemanha já tocávamos na orquestra, mas as 3 mais velhas, somos brasileiras pela lei brasileira, para a lei alemã não, ________________ lei brasileira, somos brasileiros porque nascemos aqui. Só a mais nova alemã porque nasceu na Alemanha.
Pergunta:
Entendi.
Resposta:
Quer dizer, é alemã pelas duas vezes e nós não. E, daí quando minha mãe em 49 casou de novo, casou com um primo do meu pai. E meu pai tinha todos os parentes aqui, o primo dele tinha todos os parentes aqui, minha mãe tinha todos os parentes aqui, era obvio que eles iam voltar né? E a gente trouxe os nossos instrumentos, só minha irmã mais velha não veio junto que já era casada, então a gente...
Pergunta:
Quando vocês voltaram?
Resposta:
Em 1953. E é... Mas ai a situação era bem melhor, era bem mais fácil. Já tínhamos comida, tínhamos uma casa descente e essas coisas mais. E quando chegamos aqui com os instrumentos, por acaso, alguém de nós, não sei quem, não lembro mais, tropeçou por cima da mãe do Helmuth. E a família do Helmuth e nós fomos criados na mesma colônia, então eles foram se visitar etc., e nós primeiro ficamos com minha tia no meio do mato. Quando eu falo no meio do mato, é meio do mato mesmo! A gente foi de trem, do Rio até Vitória, Espírito Santo, e lá pegamos um ônibus até Linhares, quase no limite da Bahia...
Pergunta:
Hã, Hã.
Resposta:
E lá fomos de caminhão 54 quilômetros até Alagoas do Paraná, que é uma aldeia indígena, e de lá nossa tia estava esperando com cavalos, fomos picada adentro ainda 3 horas, ai morava a minha tia [risos]
Pergunta:
Que estado ______?
Resposta:
Ainda o Espírito Santo, mas bem lá no norte do Espírito Santo. Então lá não tinha água encanada, lá não tinha... Não tinha nada. Pra bem dizer não tinha nada, para quem veio da Alemanha, jogado no mato, aprendi a peneirar café, a socar café, a socar arroz no pilão, fizemos de tudo. Ai meus pais voltaram para São Paulo, e daí tinha uma tia. Agora irmã do meu padrasto, e ele trabalha como enfermeira e ela jogou a gente no Hospital Oswaldo Cruz, aqui de São Paulo, é... Para trabalhar como atendente e enfermeira, só que ninguém nunca trabalhou como enfermeira, nem eu nem minha outra irmã, a segunda mais velha, mas fomos lá. Ninguém falava português, porque quando saí da, do Brasil, eu não falava nem alemão nem português, tinha um ano e um mês. E ai ficou uma vida muito complicado, trabalhar no hospital, com doentes recém operados, sem falar nada em português. Já pensou na situação do coitado do doente? Longe da casa, com dor e aguentar alguém que não entende o que fala [risos] não é fácil. Depois eu... Tive a minha irmã mais velha, lá dentro do hospital, tinha uma descendente alemã e ela perguntou um dia: ‘Você não são luteranos?’ ‘Nós somos, por quê?’ ‘ Por que vocês não vão na juventude da igreja?’. ‘ Eu sei lá onde tem essa juventude?’ Ela levou a gente e daí, conhecemos um grupo muito grande, inclusive meu marido, de luteranos [10:00] eles faziam, claro, trabalho bíblico também, mas tinha danças folclóricas, tinha teatro amador, tinha coral, tinha de tudo. E, eles ficaram sabendo que a gente tocava um instrumento, ai. ‘me ensina, me ensina, me ensina’... Se tivéssemos tudo juntos que já aprenderam bandolim com a gente, seríamos uma orquestra de 60, 70 pessoas, mas o que sobrou é isso aqui, essa meia dúzia de gatos, [risos] mas por quê? Uma, muita gente já foi pro {para o} andar de cima, outros foram se aposentando e saindo de São Paulo, como eu mesma sai de São Paulo. Meu genro tocava também e minha filha, mas meu genro mudou para Itu, e disse ‘Eu não vou mais para São Paulo’. Porque ele era muito velhinho, sabe? Era muito custoso. Ele só é somente 25 anos mais novo que ele, mas para ele era mais difícil do que pra mim. E com isso minha filha não vinha mais. Ela tocava vi... Ela é formada em piano, ela é secretária tri-lingue, mas ela é formada em piano, aprendeu violão, com nossas violonistas aqui e fazia percussão, não bateria, percussão!
Pergunta:
Sim.
Resposta:
Ela tocava atabaque, caixa de repique, pandeiro, é... símbalis, tudo que vinha pela frente, triângulo, ela tocava, porque a gente fez uma, toucou na peça, que chama Brasil que maestro Silas de Oliveira... É um arranjo de todas canções folclóricas Brasileira, desde o norte até o sul. Ai tem muita percurção! A minha filha é muito baixa! Quando eu falo muito baixa, é muito baixa mesmo! Ela tem um 1,52 metros. Então ela é baixa e atabaque era muito comprido. Ela não conseguia tocar assim. Ela alcançava com as perninhas dela. Então, meu marido fez um dispositivo de madeira, pôs duas cordas, assim de cada lado, com argola assim, né? E ela então pôs a argola, no pé da cadeira e com isso atabaque, ela deitava atabaque e podia soltar atabaque
Pergunta:
Ah...
Resposta:
Senão não tinha condições porque ela é muito baixa! Tá? Meus filhos, tem todos os dois, mais de 1,80 metros, mas ela ficou pequenininha, resolveu não crescer mais.
Pergunta:
Hum, Hum [risos]
Resposta:
Bom, isso foi da minha parte, então eles... Fundamos a orquestra com uma porção de gente, como já disse. Muita gente já saiu, outros, faleceram, como a mãe da maestrina. A maestrina nossa, por exemplo, o maestro Silas indicou, quando ele cansou. E, ela já vinha orquestra, a nossa maestrina, com 4 anos, porque a mãe tocava e... [risos] ela não podia fazer nada sozinha, porque o marido não deixava. Então ela trazia a Karen, e a mãe colocava duas cadeiras e deitava a Karen em cima e dormia enquanto a gente tocava. Quer dizer, a Karen conhecia a gente desde pequenininha para ela não era novidade nenhuma né?
Pergunta:
Hum, hum.
Resposta:
[Suspiro] É isso?
Pergunta:
É... Só, voltando um pouquinho, é... A senhora o tempo que ficou na Alemanha durante a guerra, a senhora foi alfabetizada?
Resposta:
Claro!
Pergunta:
E as escolas funcionavam? Como é que era isso?
Resposta:
Bom, aquela aldeia que a gente tava {estava}, tinha uma escola só, mas lá a divisão da escolaridade é diferente: a gente faz 4 anos primários e depois divide conforme a... as notas. Quem tem notas melhor vai para o ginásio, quem tem notas menos, menos bom não existe, pior é vai para outro tipo de escola e o restante fica na escola comum, ta? Depois é o ginásio para acesso direto para a universidade. A outra do meio tem que fazer mais um curso para ter acesso e quem faz a escola comum, faz 3 anos de aprendizado de algum oficio e depois vais uma vez por semana para uma escola profissionalizante, depois se ele quiser fazer universidade pode, mas tem que fazer mais 3 cursos diferentes, tá? E naquele dia tinha uma sala de aula só um professor, mas tinha as 8 classes da, da aula comum, num salão só. Então era uma confusão! [risos] O que o professor ensinava para o primeiro ano e para a oitava, porque a escola principal que não é nem ginásio nem outros, são oito anos na Alemanha. Então quando voltamos para _______ onde tinha os ingleses. [14:55] ai já tinha escola normal, só que não tinha, não tinha [15:00] ginásio, por que? Uma grande parte dos professores, ficaram como prisioneiro de guerra e não tinha sala de aula. Eu tenho fotos da minha cla... classe, da minha turma, onde a gente via buracos de granada na parede. Quer dizer não tinha... A primeira turma que tinha acesso ao ginásio, que o ginásio voltou, foi da minha irmã que é 5 anos mais vé... nova que eu. Então por isso a gente não podia fazer, mas no momen.., não funcionava quando por exemplo, o inverno não tinha aquecimento central naquele tempo e era com, como é que chama isso em português? É... caldeiras.
Pergunta:
Caldeiras.
Resposta:
Eles aqueciam a água, mas muitas vezes não tinha como aquecer essas caldeiras, porque estava muito rara a gente canse... conseguir carvão. E então a água nos tubos, nos canos da, de água congelaram e estouraram os canos dai gente não tinha aula. A gente ia para a escola, ganhava a lição de casa, mas lá também não tinha nada para aquecer a casa, então a gente fazia lição de casa dentro da cama. O único lugar quente. O inverno de 45 para 46 foi extremamente, frio, então como a gente não tinha nada para queimar, se a gente deixasse cair dessa altura uma gota de água, quando chegasse no chão fazia barulho, tinha virado gelo.
Pergunta:
Nossa!
Resposta:
Então era frio!! E põe frio nisso! Eu queria, mas a minha mãe tocava violão também, então o que ela fez, a minha irmã mais nova, muito nova, ela tinha um pedacinho só de carvão para queimar enfiava no fogão a lenha, cortou uma cadeira de criancinha, de bebe, minha irmãzinha dentro e ela e minhas outras duas irmãs e eu em frente do forno com a tampa aberta e os pés lá dentro, a minha mãe tocava violão e nós contávamos. Quer dizer, a gente finge que podia... Para passar essa, esse tempo realmente maluco, muito cruel, e... Não desejo pra ninguém! A guerra é muito ruim, mas eu acho a guerra traz uma coisa muito boa... [risos] Não se assusta! Eu acho que a gente aprende a dar mais valor, à vida, às coisas que a gente tem e que consegue. Sem ficar sempre olhando pra {para} traz se o outro tem um pouco mais ou não. Então, isso a guerra ensina porque pra {para} nós, cada coisinha que a gente conseguia, era uma vitória! Então daqui nós tavamos {estávamos} depois na igreja eles mandavam depois para as crianças uma merenda escolar que estavam na escola. (17:28)
Pergunta:
Hum, hum.
Resposta:
Mas minha irmãzinha, nessa altura, não tava {estava}, e minha mãe tava {estava} com fome em casa, então ela fez, de umas latas, de umas conservas, ela fez tirou a tampa, fez dois furos, argola de arame, minha mãe. E com isso, a gente não comia merenda na escola, a gente levava em casa e diviamos {dividíamos} com minha mãe e minha irmã mais nova para eles também ter o que comer então assim foi, fomos levando as coisas e quando tava {estava} melhorando meu padrasto resolveu voltar para o Brasil [risos].
Pergunta:
E qual é essa cidade rural que vocês foram levadas?
Resposta:
Era uma aldeia.
Pergunta:
Isso, essa aldeia, o nome dela?
Resposta:
(Rödlin) eu vou soletrar.
Pergunta:
Tá bom.
Resposta:
R, O com trema, D de domingos, L,
Pergunta:
L.
Resposta:
I, N de navio.
Pergunta:
I, N? RÖDLIN?
Resposta:
N de navio. RÖDLIN.
Pergunta:
E... Essa era a aldeia, né?
Resposta:
Aldeia!
Pergunta:
E a cidade que vocês estavam e voltaram depois que era ______?
Resposta:
Era (WUPPERTAL) [risos]
Pergunta:
[risos]
Resposta:
W,
Pergunta:
W
Resposta:
U
Pergunta:
U
Resposta:
P
Pergunta:
P.
Resposta:
P.
Pergunta:
De novo?
Resposta:
IA!
Pergunta:
P.
Resposta:
E, R.
Pergunta:
E, R.
Resposta:
T.
Pergunta:
T.
Resposta:
A, L.
Pergunta:
A, L, I?
Resposta:
Hã, ham. T, A, L de (lanos.).
Pergunta:
A, de... ah não? (OPERTALE)
Resposta:
(WUPPERTAL)! L mudo.
Pergunta:
Ah (WUPPERTAL)!
Resposta:
(WUPPERTAL) É a cidade que tem o único bonde suspenso do mundo. Ele anda sobre, armação de ferro...
Pergunta:
Hum, hum.
Resposta:
Trilhos em dois sentidos, ele fica depindurado, [dependurado] é um trem. Em cima do... A trinta metros do rio que passa embaixo, aproveitando o leito do rio. [20:00]
Pergunta:
Olha!
Resposta:
É a única cidade que tem isto, aconteceu até agora só 2 acidentes. Um por burrice do, dos seres humanos, burrice com B maiúsculo. Por quê? Tinha um circo, na cidade, ele queria fazer a propaganda e leva um coitado dum elefantinho para dentro desse trem. Esse trem faz um barulho dos diabos. Dentro desse trem levou o elefantinho. Claro, o bichinho, coitado se assustou , esmagou o guarda dele e caiu dentro do rio. Foi um acidente feio, mas só o elefantinho morreu. E agora, é... Já em 2000, 2001, 2002, não sei. A manutenção, alguém esqueceu uma ferramenta lá em cima. Caiu, caiu o trem inteiro, mas foi os únicos... E ela foi inaugurado em 1900 ou 1901, quer dizer tem mais de um século esse trem, para ter só dois acidentes eu acho, um meio de transporte bem viável. [risos] Só que precisar ter bons ouvidos porque faz um barulho tremendo. [risos]
Pergunta:
Esse acidente com o elefantinho foi em, mais ou menos, em que ano, a senhora se recorda?
Resposta:
Nós ainda estávamos morando na Alemanha, devia ser antes de 1953. Devia ser 1949, 50 por ai.
Pergunta:
Então esse a senhora viu?
Resposta:
O acidente eu vi. Não na TV porque não tinha TV né? Mas a gente ouviu falar e viu depois uma pintora da cidade entrou, porque o leito do rio embaixo ele fizeram o muro de, como é que chama esse? De contentação? {contenção} Do rio a.. que mais ou menos de cinco metros. Então a pintora foi lá e pintou a história na parede interna do, do rio, o que aconteceu com o coitado o elefante. Todo mundo ficou brabo com o circo, porque o bichinho não tem noção ele se assustou muito e... o único morte foi o elefante e o guarda dele que esmagou na parede arrancou pedaço da parede e caiu lá de cima.
Pergunta:
É... hum, hum. Na ainda nesse tempo na, na aldeia a senhora brincava? Que que a senhora fazia nessa aldeia? Como é que era a vida lá?
Resposta:
Bom, primeiro nós morava na casa de um pastor. E a dona, a mulher do pastor era muito braba. A criança não podia se mexer à mesa, não podia falar que não gostava daquela comida, tinha que comer.
Pergunta:
Hum, hum.
Resposta:
Ai, um dia, eles conseguiram para nós, não tinha mais ensino confirmatório, que isso típico da igreja luterana. E daí vagou aquele salão imenso onde eles davam aula novamente. E em frente tinha uma cozinha, tinha um corredor em frente uma cozinha onde eles cozinhavam as comidas dos porcos. Então a gente ganhou esse salão para morar, para dormir e a cozinha. Então ficava os livros da velha bruxa do Pastor. [risos] Ai ficou mais fácil! Mas a gente brincou normalmente, a gente ia para a escola e a gente tinha duas lagoas imensas perto de casa. A gente no inverno ia andar de patins de gelo. E o que mais me impressionou isso eu lembro não porque alguém me contou, não! Porque eu lembro! Tinha um tipo de uma florestazinha perto da casa do Pastor, lá dentro tinha três pedras de túmulo porque era antigamente um cemitério esse era de não sei quanto séculos passados mais eu lembro como hoje. (risos) E a gente brincava com as criança, com nossas irmãs e enfim...
Pergunta:
E quais eram as brincadeiras?
Resposta:
A gente brincava como toda menina, com boneca de bola e só ficávamos brava quando o pastor obrigou a minha segunda irmã a sentar em cima de uma porca imensa e a porca se assustou saiu correndo com a minha irmã e aí foi uma gritaria só [risos] Mas normalmente a gente brincava como toda criança brinca, pular corda, um monte de coisa.
Pergunta:
Amarelinha, essas coisas assim?
Resposta:
Sim, também! Mas é mais de boneca e tinha um gramado em frente da casa do pastor então era bom para nós! Mas a gente não queria adentrar na área do pastor que tinha a casa, nós podíamos entrar só na parte do gramado, porque a casa tinha outra porta que vinha em um lindo jardim!! Mas nem eles usavam essa porta só no Natal!! Se a gente olhava para lá, nossa cozinha para fora da janela, tinha o jardim de verduras e em frente tinha um píer pequeno e uma lagoa em volta, dai a gente via os patinhos nadando sempre, e... foi muito gostoso o tempo. Até que os russos vieram, daí...
Pergunta:
O que foi que aconteceu?
Resposta:
Hummm??
Quando os Russos vieram?
Resposta:
Nós fugimos. A aldeia toda... Você viu o filme já com certeza que tem um monte de gente em cima de carroças, com cavalo, com todos os móveis, com todos os móveis, com todos pertences. Nós tamos {estamos} no meio disso. Então eles não queriam, tinha gente que não queria levar minha mãe, porque ela não era da aldeia. Mas tinha uma família de poloneses lá. É, que eles eram cozinheiros da primeira guerra mundial e ficaram e gostaram e construíram a vida deles lá. ______________________ (26:23) mesmo com as quatro crianças se não, nós não vamos deixar as carroças saírem e a família deles que levavam as carroças, que levavam os cavalos. Então a gente foi até a cidade de (SCHUELIM) (26:43) e ficamos lá estacionados. Dormíamos no... como é que chama isso? No celeiro, todo mundo no chão só que como nós éramos quatro crianças tinha um caminhãozão velho lá no meio do celeiro eles amarraram seis cavalos de lado e a gente dormiu em cima no caminhão. Ficamos uns seis semanas lá. Chegaram os escoceses, chegaram os franceses, chegaram os americanos e no fim os russos chegaram lá. Mandaram a gente de volta para a aldeia. Aliás, lá foi a primeira vez que eu vi um homem (pigarreou) negro! Os americanos andavam com carros de guerra pela metade só aparecia a cabeça falei para minha mãe: ‘Mãe porque que eles levam essas bolas pretas?’ Porque não dava para ver que era gente, né? A gente era criança! Voltamos mas não era... nós não podíamos ficar na aldeia, porque daí a casa do pastor tinha sido incendiada ficamos com uma outra família e daí houve uma epidemia de tifo, e muita gente morreu inclusive a dona da casa onde nós estávamos. E não é só isso, os russos violentavam qualquer criança podia ter um mês, podia ter 15 anos não importava e sempre ficava atrás de mim uma irmã mais velha que tinha 12 anos. Por várias vezes um polonês, polonês era amigo, unidos com os russos ele salvou a minha irmã por causa disso. Então disse não, não dá para ficar aqui com as quatro meninas. Então ela foi para a cidade mais próxima um polonês deles, dessa família, levou-nos para a estação e fomos de trem. Paramos... como é que era a antiga, zona comunista da Alemanha, tinha a fronteira e depois tinha mais 80 km de zona comunista e daí vinha Berlim. E Berlim era dividido em quatro, ta? E então a gente tinha que fugir primeiro para Berlim aí tentar passar para a zona americana ou inglesa, tanto faz, e depois ainda passar até a fronteira que tinha mais 80 km, entende? Mas conseguimos com a graça de Deus, chegamos são e salvos estamos aqui, né (risos).
Pergunta:
E isso foi de trem, esse trajeto todo?
Resposta:
Sim, de trem.
Pergunta:
Até os 80 km para sair na fronteira?
Resposta:
De trem. Mas era um trem que transportava cal. Eram placas de metal e que tinham umas frestas de vez em quando o trem parava no meio do caminho e os russos com baionetas passavam nas frestas para ver se não tinha ninguém atrás, se encostava alguém arrancava tudo mundo e matava tudo mundo.
Pergunta:
Nossa!
Resposta:
De todo trem, o único vagão que chegou do outro lado foi o nosso, então nós somos vivos de teimoso, viu!!(risos)
Pergunta:
E quando vocês conseguiram fugir e fazer vida nova, né até a sua mãe se casar de novo. Como é que foi essa decisão de vir para o Brasil, como é que você se sentiu com isso?
Resposta:
Bom, minha irmãzinha mais nova não deu nem A nem B, porque ela era muito pequena.
Pergunta:
Ela tinha quantos anos?
Resposta:
Eu tinha 11, não eu tinha 15 ela tinha 10, e quando minha mãe casou, eu tinha 11 e eu, nós não gostávamos porque a gente tocava na orquestra, a gente tinha o grupo de amigos e eu já tava trabalhando fora no escritório, aprendendo uma profissão, minha irmã, a segunda mais velha idem, minha irmã mais velha já era casada e não ia deixar o marido e o filho lá, então a gente não gostou muito não. Mas o que aconteceu é que a irmã do meu padrasto mandou as passagens, então a gente teve que ir. Fomos de navio, vinte dias de navio e porque não havia um lar era coisa rara, né? E aí chegamos, ficamos oito dias no Rio e depois fomos para Espírito Santo como já contei depois voltamos para São Paulo.
Pergunta:
E como é que foi a partida? Como é que foi o dia de subir no navio saindo da Alemanha?
Resposta:
Por incrível que parece eu tenho uma memória muito boa, mas eu não me lembro disso. Eu sei que a amiga da minha mãe foi lá com as duas crianças isso eu sei e minha irmã tava lá. Minha mãe chegou a ver essa minha irmã de novo só em 1977, ou seja, 24 anos depois, certo? Mas aquilo era muita coisa estranha a gente era empurrado, ‘Sobem, sobem, sobem, rápido, rápido, rápido’, então a gente como criança, a gente se assusta um pouco com aquilo tudo, porque é uma coisa nova certamente, nenhum de nós tinha pisado uma vez em um navio, só na ida daí nós éramos pequeninhos demais para entender e daí a subir, e... esperar para ser dividido em cabines, etc., etc., mais. Então eu não lembro muito disso não. Eu lembro de coisas da aldeia. Por exemplo, meu filho depois, meu filho mais novo, depois é... Tinha uma feira industrial, na cidade de (Laitsik), que é a mais velha do mundo. Ela tem mais de 700 anos, essa indústria, feira industrial. Só que naquele tempo era obsoleto e os russos fizeram uma nova, mas na hora de reunificação da Alemanha, aquela já estava mais que obsoleta. Então eles fizeram uma nova feira industrial na antigo aeroporto russo em (Laitsik), perto de (Laitsik), e meu filho foi um dos cinco engenheiros que fizeram essa feira, e quando eu fui visitá-lo ele me levou para essa aldeia, por que dai podiam circular normalmente porque os russos não estavam mais lá. Então eu falei: ‘ (Folclam), uma pergunta certa. Essa casa de transformadores era muito mais longe. Eu lembro dessa casa de transformadores’. Ele disse: ‘ Não mãe, suas pernas eram mais curtas’ [risos] ele respondeu. Quer dizer não é que estava mais longe, mas eu lembrei. Ai eu fui na, na numa outra casa onde quando a gente ia sempre buscar sempre o leite, Disse: ‘(Folclam), aqui tinha uma escada, uma porta e uma janela. Ele disse: ‘Mãe, se você olha o reboco direito, ce {você} vê que tem uma tonalidade, você tem razão. Aqui tinha a escada uma porta e uma janela’. Quer dizer eu lembro dessas coisas, mas na hora de subir no navio foi um alvoroço tão grande que a gente não, nem lembra.
Pergunta:
Na hora de se despedir?
Resposta:
Não. Não lembro de nada porque foi uma correria tremenda. E, é... a criança naquela hora fica muito criança, apesar que eu já era uma mocinha. Fica muito alvoroçada, meu Deus! Eles já tavam {estavam} brabos porque a gente não queria sair da Alemanha. Então a gente não presta muita atenção no que acontece né? [risos] Mas é assim.
Pergunta:
E quando chegou aqui, ai vocês chegaram, tinha alguém esperando vocês no Rio de Janeiro?
Resposta:
Tinha! Tinha! É... uma das irmãs do meu padrasto. Ela morava no Rio. Então ficamos 8 dias lá e depois ele despachou a gente para o Espírito Santo. E lá ficamos quase um ano no meio do mato. Era meio do mato mesmo! Tinha cobra e tinha pé de jaca em volta da casa, não podia estacionar o carro. Ia ficar sem carro porque tinha jaca deste tamanho. [risos] e assim em diante, mas a minha tia era muito legal, a gente depois visitou elas várias vezes com nossas crianças, e... [35:00] agora já se foram todos lá, só sobraram meus primos e minhas primas, mas eles tão {estão} lá ainda, e em Haras. Não estão no meio do mato, mas tão {estão} em Haras.
Pergunta:
Ah, no mesmo lugar ainda?
Resposta:
É. A noite, às 8 horas, era repórter Esso no rádio. Não tinha força elétrica. Tudo movida à pilha e a geladeira a querosene.
Pergunta:
A querosene?
Resposta:
Querosene! Então era uma coisa... Não tinha luz, a gente fazia tudo com lamparina, assim de querosene. Já pensou? A gente sai de um país supar {super} adiantado para cair no meio do mato. Bom, sobrevivemos. Tamos {estamos} cá.
Pergunta:
[risos] E... Quando a senhora voltou para cá a senhora tinha 15 anos?
Resposta:
Quinze anos.
Pergunta:
Como é que era o seu lazer, a senhora saía?
Resposta:
Não, porque, não, não falava português, né? Então eu... Uma temporada a gente morava na praça da árvore. Eu ia a pé até o hospital Osvaldo Cruz, que fica no início da Avenida Paulista, com medo de pegar o bonde errado. Eu não podia pegar, perguntar? Eu não falava. [risos]
Pergunta:
E como foi isso de aprender o português?
Resposta:
Ah, meio na tapa né? [risos] Às vezes, tinha gente muito boa que ensinava, mas também daquela gente maldosa que ensinava coisa ruim pra {para} gente e, é... E eu lia muito, tudo que eu conseguia ler, eu não entendia, mas eu lia. Mas levei 5 anos para descobrir o que quer dizer “poizé”. Porque não existia “poiszé”. E não existe! Vocês que falam “poiszé”, mas é pois é. (36:48) É ou não é?
Pergunta:
Sim.
Resposta:
Levei cinco anos para descobrir o que é pois é, porque não achava “poiszé” em canto nenhum só pois é. Mas a gente se virou e com o tempo, falo com sotaque miserável até hoje e depois caí sentado e tive que largar a enfermagem e fui trabalhar, alguém me arrumou um lugar um lugar Hoechst do Brasil (37:13) como auxiliar de escritório.
Pergunta:
Hoechst do Brasil? (31:20)
Resposta:
Hoechst do Brasil, ela foi vendida agora.
Pergunta:
É empresa de que?
Resposta:
É química e farmacêutica e ____________ (37:28) e daqui um pouco fui nomeada secretária do gerente e daí a matriz da firma que estava no Rio com o presidente e tudo, mudou para São Paulo a secretária não quis vir junto aí virei secretária do diretor até o dia que o nosso vice presidente que tava (estava) aí morreu no escritório de um infarte. Dai meu chefe foi nomeado presidente e aí foi, fui indo como secretária dele. Então (risos) eu fui secretária do presidente da Hoechst do Brasil (37:56)! Até sessenta e dois. Eu casei tive meus três filhos, eu tenho dois meninos e uma menina. O mais velho é engenheiro agrônomo e com doutorado em irrigação, tanto que ele trabalhou ano retrasado, até ano retrasado, dois anos no Sudão, na África eles quer, queriam irrigar o deserto da África com a água do Nilo, mas era muito sacrifício, ele vinha de três em três meses a família não podia ir junto e eles não são muçulmanos e então as mulheres iam ser vendidas. Então não podia, então ele desistiu. Agora ele faz hidropônia em Suzano por conta dele e parece que tá (está) feliz. [Risos] E como já disse, o mais novo é um engenheiro civil que veio e fez aquela obra imensa lá na Alemanha, voltou fez algumas obras pequenas em firmas pequenas, mas uma das firmas da construção, a Holtiz, que é Alemã ficou sabendo dele, que ele era um dos engenheiros e correu atrás dele. O que aconteceu? ‘Porque que você não vem para nós?’ Um dia o chefe dele foi muito malcriado para ele, disse: ‘ Tudo bom, então pode arrumar meus documentos e saio já’ E foi para a Holtiz e nunca mais saiu. Ele fez o prédio do Banco of Boston na..., aqui na Berrini, ele fez a fábrica Aldo Fosfal em São José dos Pinhais, ele fez aciaria em ________ (39:47), uma outra aciria em Vitória, no Espírito Santo, depois ele fez aquela lá, como é que chama isso? Fábrica de celulose [40:00] perto da Ilha solteira. E agora ele foi para Porto alegre.
Pergunta: